segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

MARÍLIA CARNEIRO: FIGURINISTA

Marília Pinto Berredo Carneiro nasceu no Rio de Janeiro, em 11 de julho, filha de um arquiteto e de uma dona-de-casa. Estudou filosofia e comunicação social na Pontifícia Universidade Católica (PUC), mas abandonou os cursos após começar a trabalhar como estagiária de jornalismo no jornal Tribuna da Imprensa. Ela foi casada com o fotógrafo e diretor de arte Mário Carneiro (1930-2007), que integrou o grupo de cineastas que criou o Cinema Novo, e fez sua estréia como figurinista no filme O Homem que Comprou o Mundo, de Eduardo Coutinho. Segundo conta, não se especializou em figurino porque o mais próximo que existia dessa área, na época, eram os cursos de desenho industrial e arquitetura.
  



Marília Carneiro chegou a fazer ponta como atriz em cinco filmes brasileiros, ganhando um papel relevante no longa Capitu (1968), de Paulo César Saraceni, onde interpretou Sancha, mulher do personagem Escobar, vivido pelo ator Raul Cortez. Mas seu destino era mesmo trabalhar por trás das câmeras. No final dos anos 1960, abriu uma boutique em Ipanema (zona sul do Rio), a Truc, que fazia a ponte com as novidades lançadas em Londres. Como a irmã, Maria Lúcia Dahl, e vários amigos estavam exilados, ela viajava sempre à Europa - a essa altura já estava separada - e trazia peças originais para desenvolver coleções no Brasil. A loja fez enorme sucesso. Tempos depois, passou o ponto da Truc e foi trabalhar na Obvious, loja da amiga Zelinda Lee, com quem diz ter complementado a sua formação de moda. Foi dali que partiu para a TV Globo, indicada pela atriz e amiga Dina Sfat (1938-1989) ao diretor Daniel Filho.
 
A figurinista estreou na TV Globo na novela Os Ossos do Barão (1973), de Jorge Andrade. E revolucionou o processo de produção de figurinos ao fazer o link com a moda, selecionando peças prontas para serem usadas em cena. Na época, todos os figurinos de teledramaturgia eram confeccionados pelo setor de costura da própria emissora, e não havia a prática de “garimpar” roupas em lojas, o que Marília Carneiro achava que dava mais agilidade às produções. Neste seu primeiro trabalho na emissora, ela teve de driblar as dificuldades enfrentadas pela introdução da cor na TV, encontrando uma série de limitações no uso de estampas, listras e cores. Os Ossos do Barão foi a segunda novela a cores da emissora. Marília também encontrou um desafio na novela O Rebu (1974), de Bráulio Pedroso, cuja trama se passa em apenas uma noite e os personagens usam um único figurino ao longo de toda a história. Já na primeira versão de Pecado Capital (1975), de Janete Clair, usou do recurso de trocar roupas novas por velhas com os moradores do bairro do subúrbio onde a novela foi gravada, para conferir maior realismo à trama.
  


Mais de 20 novelas, oito minisséries, além de passagens pelo humorístico TV Pirata (1988) e pelo seriado Mulher (1998) – o primeiro a ter um episódio totalmente gravado em alta definição – fazem parte da trajetória da figurinista, a veterana da área de figurinos da TV Globo, formadora de discípulas ao longo dos anos. Entre seus trabalhos, estão as primeiras minisséries realizadas na emissora – Lampião e Maria Bonita (1982), de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, e Quem Ama Não Mata (1982), de Euclydes Marinho. Ela também fez os figurinos do primeiro trabalho regional da TV Globo, a novela Gabriela (1975), adaptada por Walter George Durst do original de Jorge Amado. Para compor o visual dos personagens, pesquisou em Ilhéus (Bahia) fotografias de moradores da região que pudessem ser usadas como referências na criação de roupas e acessórios, e besuntou a protagonista Sônia Braga com óleo para que ela ganhasse um aspecto sujo e suado e, dessa forma, correspondesse à expectativa do diretor Walter Avancini, que queria vivência na caracterização dos personagens.
 
Muitas minisséries bem-sucedidas também integram o currículo da figurinista, como Rabo de saia (1984), inspirada em Pensão Riso da Noite, de José Condé, cujo roteiro final é de Walter Avancini; Tenda dos Milagres (1985), que Aguinaldo Silva escreveu com base na obra homônima de Jorge Amado; e as produções históricas Anos Rebeldes (1992), de Gilberto Braga – onde Marília Carneiro reproduziu nos figurinos os anos da bossa nova e da ditadura militar –, e A Casa das Sete Mulheres (2003), de Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão, livremente adaptada da obra de mesmo nome de Letícia Wierzchowsky, que abordou o movimento farroupilha no Rio Grande do Sul e mostrou personagens como o líder gaúcho Bento Gonçalves, e os revolucionários Giuseppe e Anita Garibaldi.
 
Quando se fala em Marília Carneiro, logo vem à tona a moda lançada pelas novelas. Desde que caracterizou a atriz Sônia Braga com meias coloridas de lurex e sandálias de salto fino na cena em que a personagem Júlia Mattos aparece repaginada na novela Dancin’Days (1978), de Gilberto Braga, seu nome ficou associado às tendências da moda. O modelito virou febre entre as jovens brasileiras. Mas muitos outros modismos fizeram a cabeça do público ao longo de sua carreira. Como o inesquecível lenço usado no pescoço por Vera Fischer na novela Brilhante (1981), de Gilberto Braga. O acessório foi criado para disfarçar o corte de cabelo da atriz, curto e frisado, que não agradou ao público e teria incomodado até o compositor Tom Jobim, autor da canção de abertura, Luiza, feita especialmente para a personagem. Já na novela Rainha da Sucata (1990), deu ibope o penteado de Regina Duarte, a intérprete da protagonista Maria do Carmo: cabelo preso com um laçarote na nuca.
 
Em 1995, a figurinista vestiu os personagens da primeira novela gravada inteiramente na Central Globo de Produção (Projac), Explode Coração, de Gloria Perez, cuja protagonista fazia parte de uma família de ciganos. Também fizeram sucesso os véus, panos e olhos realçados com sombra e cajal, popularizados pela personagem Jade (Giovanna Antonelli) na novela O Clone (2001), de Gloria Perez, cuja segunda fase teve figurinos assinados por Marília. Sem esquecer de Uga Uga (2000), de Carlos Lombardi, que impulsionou o sucesso dos tererês usados pela personagem de Mariana Ximenes, e de Celebridade (2003), de Gilberto Braga, em que Malu Mader e Deborah Secco catalisaram as atenções: a primeira, desfilando com terninhos brancos, batas e um vestido de festa, usado em uma das cenas mais marcantes da trama, que arrebatou as telespectadoras; a outra, vestida como uma Lolita moderna, com microsaias, blusinhas justas, meias coloridas e sandálias de salto grosso.
 
Já em América (2005), outra novela de Gloria Perez, que Marília assinou com Maíza Jacobina, os figurinos retrataram o universo dos rodeios e imigrantes ilegais, na primeira novela a ter cenas externas gravadas em alta definição. Na TV Globo, também assinou a criação dos figurinos das novelas Páginas da Vida (2006), de Manoel Carlos, que dividiu com Christina Gross, Desejo Proibido (2007), de Walther Negrão, em parceria com Paulo Lois, e Caras & Bocas (2009), de Walcyr Carrasco, que assinou com Lúcia Daddario.
            


Marília Carneiro também fez os figurinos de várias produções cinematográficas, algumas delas em parceria com outros figurinistas. Ela trabalhou em O Casal (1975), de Daniel Filho; Gordos e Magros (1976), de Mário Carneiro; Revólver de Brinquedo (1977), de Antonio Calmon; O Bom Marido (1978), de Antonio Calmon; A Dama do Lotação (1978), de Neville de Almeida; Os Paspalhões em Pinóquio 2000 (1980), de Victor Lima; O Cangaceiro Trapalhão (1983), de Daniel Filho; For all - O Trampolim da Vitória (1997), de Buza Ferraz e Luiz Carlos Lacerda; Villa-Lobos - Uma Vida de Paixão (2000), de Zelito Viana; A Partilha (2001), de Daniel Filho; O Xangô de Baker Street (2001), de Miguel Faria Jr.; Harmada (2003), de Maurice Capovilla; Sexo, Amor e Traição (2004), de Jorge Fernando; Mais Uma Vez Amor (2005), de Rosane Svartman; Vinicius (2005), de Miguel Faria Jr.; Muito Gelo e Dois Dedos D´água (2006), de Daniel Filho; Primo Basílio (2007), de Daniel Filho; e A Guerra dos Rocha (2008), de Jorge Fernando, com estréia prevista para 2008. Também fez parte da equipe de figurino de Luar sobre Parador (1988), de Paul Mazursky; a direção de arte de Gente Fina É Outra Coisa (1977), de Antonio Calmon.
 
 

Fonte: CARNEIRO, Marília. No camarim das oito, editora Aeroplano e Senac, 2003.




 

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